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O aniversário

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O aniversário                       O convite veio uma semana antes. No sábado seguinte, o casal celebraria seus aniversários. Ela, cinquenta anos. Ele, um pouco mais. Comemorariam meio século de histórias pessoais, obstáculos e vitórias, perdas e ganhos. Sobretudo, conquistas. Estas, muitas, pois apesar da idade, eram jovens. Tão jovens que decoraram o salão eles mesmos. Havia vasos de flores em todas as mesas com papel crepom colorido cortado em tiras enroladas. Simples, mas, divertido. Havia balões de aniversário em suportes de mais de dois metros de altura formando as iniciais de seus nomes. As letras estavam bem juntas mostrando que é assim que são e estão há muito tempo. Unidos desde quando se conheceram, se casaram, filhos vieram, cresceram. Faculdades, namorados. Enfim, um longo caminho a seguir com a ajuda de cinquenta anos de experiência que, falando francamente, ajuda muito nos dias de hoje com tantas incertezas em relação ao futuro. Tudo deveria ser celebrado.        

Felicidade o que é?

     Entre outras ocupações, sou, também, professora de português para estrangeiros. Tenho um aluno egípcio, do Cairo, para o qual pensei em preparar uma música brasileira. Estávamos concentrados no verbo querer . Pensei na canção ‘Comida’ dos Titãs, escrita por A. Antunes, M. Fromer e S. Britto. Muito querer e não querer e muito vocabulário. Comecei a me dedicar, então. “...a gente não quer só dinheiro… ….a gente quer dinheiro e felicidade...”.      Lendo a letra da tal, comecei a comparar o que eles escreveram com a realidade. A minha, pelo menos. Quero muito. Quero comida, bebida e sobremesa. Quero diversão e arte, muita. Quero amor e, também, fazer amor. Quero dinheiro e … felicidade. Felicidade??? Já não a temos? Quando somos felizes? Ou estamos? Muitos respondem “quero ser feliz” quando perguntados o que querem da vida. Mas, quando?? O que é ser feliz? O que é a felicidade?      Para uns, um iPhone 8, nem lançado ainda; para outros, não ter telefone celular algum e

Aquele dia...

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               Aquele dia, escuro ainda, em que você se levanta da cama querendo não ter acordado. Querendo ter ficado por mais algumas horas no mundo fantasioso dos sonhos e pesadelos. Mas, a vida te diz que ficar na cama um pouco além é para os fracotes.        Os fortes despertam sem extenuação. Sorriem para a manhã cinzenta e fria. Tão úmida… Saem para o trabalho cantarolando em meio a uma garoa fina e enfadonha. Vai ser uma manhã cacete, mas o lindo e estardalhoso canto dos pássaros arrumando um “crush”, já é tempo, compensa a modorra. Enfim, o despertador tocou, o sonho morreu. Os fracos fingem fortaleza e caçam a labuta.               Aquela tarde em que há um sorriso no rosto, e um fardo muito pesado nas costas. Mas, este, é invisível. O forte não mostra que está empurrando o dia com a barriga e a prostração. Languidez não agrada a chefe algum. Todos te olham e querem ver brilho nos olhos e um sorriso contagiante e uma alma limpa. O forte esconde que, por den

Um homem chamado Curioso

         Curioso andava cansado da vida. Acreditava, com muita arrogância, que sabia demais de tudo e de todos. Não havia mais mistérios para desvendar. Andava cabisbaixo pelas ruas. Conseguia adivinhar o que as pessoas pensavam só pelo olhar delas.          Havia a fulana da lojinha de flores que arrumava um arranjo. Ela sorria, olhava para a planta à sua frente mas, não a enxergava propriamente. Era como se olhasse para o vazio. As mãos trabalhavam automaticamente. Movia sua cabeça com movimentos curtos de leste para oeste e vice-versa. Curioso entendia que a moça da lojinha de flores recapitulava cenas com o ... namorado?? Sua expressão indicava algo como se dissesse: “Ai ... cada uma que ele faz!!!”. Curioso só não podia determinar se era algo que o rapaz do posto de gasolina, o dito namorado da florista, tinha comprado algo inusitado. Ou, talvez, inventado um novo prato?? Ou, quem sabe, uma nova posição sexual aprendida num DVD pornô que ele tinha escondido embaixo do colchão,

Quatro estações

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       Aprecio o verão. Gosto do calor, do céu azul, dos corpos à mostra. Gosto de ver braços, pernas de fora, à vontade. Shorts, camisas abertas. Bicicletas e pranchas de surf. Gosto de ver os troncos suados, sorvetes derretendo, óculos escuros, refrescos congelantes. Praia, piscina, ventilador, janelas abertas. Gosto de ver sorrisos e garrafinhas de água. Passeios com cachorros e com água de coco. Chuvas torrenciais e calor escaldante. Sol ardente e chapéu de palha.      Aprecio o outono. Gosto do calorzinho resfriado, do azul royal no céu e do marrom nos pés. Gosto da meia-estação e da meia-calça. Do sapato fechado e da saia curta. Gosto do vermelho e do vinho. Cores fortes. Gosto do sol, gigante alaranjado e poluído. Suor escorrendo e brisa geladinha numa antítese deliciosa. Cachecóis pela manhã e regatas à tarde. Paletas mexicanas e sopas e caldos verdes num paradoxo harmônico e salutar. Tempo de pensar e reformular enquanto chovem folhas decadentes ao redor.  

De repente a gente para e pensa...

  De repente, num cafezinho, a gente para e pensa no que podia ter dado certo ou errado. Se ter acordado cedo naquela manhã cinzenta e úmida tinha valido a pena ou não, se o esforço seria compensado.   De repente, no meio do suquinho, dito detox , a gente para e pensa se a saúde anda importando realmente, se estão valendo a pena os cortes nas gostosuras e no sagrado bacon , as marombas , as poses na frente do espelho e malabarismos em balanças sortidas de drogarias, cada uma gritando um número diferente das demais nos fazendo ora feliz, ora com vontade de chutar o balde.   De repente, num lanchinho vespertino, a gente para e pensa se no dia seguinte os noticiários darão furos menos abaladores, com menos violência ou sangue ou lama, com menos corrupção ou enganação para cima de um povo tão inerte, já com tanta estapafúrdia política e econômica.   De repente, no meio de um chopinho numa noite qualquer, agradável e quente, num barzinho qualquer, numa mesa servida de gostosur

Quero ser Sir Morus

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              Quero ser Thomas Morus.  Quero criar minha própria ilha utópica,  a Minha Ilha Utopia. Lá, tudo funcionaria justa e perfeitamente.              Um lugar para ser chamado de paraíso. Paraíso para a sinceridade nua, crua e arrebatadora.             Em Minha Ilha Utopia, quero poder dizer a verdade que se enrosca na minha garganta e me sufoca. E os outros escutam, somente. Não reagem.             Quero reclamar do desserviço, descaso, da ignorância, da tangência. E os outros refletem, somente.             Quero gritar que não quero, não preciso, não tenho que, não sou obrigada, não devo fazer. E os outros compreendem, somente.             Quero ser arrogante, humilde, egoísta e solidária, quero ser individualista e comunista. Quero ser selvagem e taciturna. E os outros observam, somente.             Quero ser, estar, parecer e aparecer. E os outros também.             Mas, tirar a “persona” é, e sempre será, difícil.             E, por fim, ser canoni