Um homem chamado Curioso

         Curioso andava cansado da vida. Acreditava, com muita arrogância, que sabia demais de tudo e de todos. Não havia mais mistérios para desvendar. Andava cabisbaixo pelas ruas. Conseguia adivinhar o que as pessoas pensavam só pelo olhar delas.
         Havia a fulana da lojinha de flores que arrumava um arranjo. Ela sorria, olhava para a planta à sua frente mas, não a enxergava propriamente. Era como se olhasse para o vazio. As mãos trabalhavam automaticamente. Movia sua cabeça com movimentos curtos de leste para oeste e vice-versa. Curioso entendia que a moça da lojinha de flores recapitulava cenas com o ... namorado?? Sua expressão indicava algo como se dissesse: “Ai ... cada uma que ele faz!!!”. Curioso só não podia determinar se era algo que o rapaz do posto de gasolina, o dito namorado da florista, tinha comprado algo inusitado. Ou, talvez, inventado um novo prato?? Ou, quem sabe, uma nova posição sexual aprendida num DVD pornô que ele tinha escondido embaixo do colchão, levando a moça das flores a um gozo nababesco??? Curioso corou ao imaginar a menina e o rapaz fazendo peripécias no íntimo da alcova.
         Havia o firmamento, também. Curioso deleitava-se em olhar para o céu e, de acordo com suas observações pseudometeorológicas e metodicamente calculadas, conseguia, ou assim acreditava, interpretar as cores, as nuvens, direção do vento, molhando a ponta do dedo indicador com saliva. Conseguia prever quase que com exatidão se choveria ou não ... e o horário em que o evento pluvial ocorreria, bem como, sua duração. Ajudaria muito sua mãe a decidir se, após o digno trabalho de lavar as roupas, as deles também, as deixaria ao relento ou sob um coberto, para evitar aborrecimentos.
         Uma noite, porém, Curioso acordou suando frio de um pesadelo que o deixou demasiadamente perturbado. Ele nunca havia sido curioso pela morte. Muito menos a sua. Sonhou com um funeral, o seu. Seu corpo duro e gelado como um iceberg, pequeno e enrugado e feio. O caixão ricamente enfeitado com as mais belas flores do campo, cadeiras e ... ninguém. Nem mesmo um padre, Curioso era Católico Apostólico Romano, para celebrar a famigerada passagem “dessa para melhor”. Melhor para quem, né? Ninguém para homenageá-lo. Nem mesmo a mãe.
         A morte sempre gera uma miríade de questões a todos os seres viventes e pensantes. Mas nunca para o Curioso. Muito estranho. Ele fazia de tudo para saber de tudo. E, provavelmente, acreditava ser imortal. Mas, depois do pesadelo, só pensava na morte. Na sua, claro. Tinha que saber quando, onde, a que horas, como, por quê. Não teria estas respostas.
         Curioso ficou desesperado porque estavam aí perguntas cujas respostas nunca teve, tem ou teria. Não podia ser assim. Pois, petulantemente, sabia de tudo. Então, decidiu que saberia tudo a respeito de sua própria morte. Quando, onde, a que horas, como.

         Encontraram o Curioso morto, em sua cama, na casa da mãe, com um leve sorriso cadavérico de satisfação. Foi num domingo pela manhã. Bebeu um pout pourri de substâncias tóxicas numa determinada hora que, claro, ele havia estabelecido. O por quê? Só ele saberia. Talvez quisesse saber de tudo.

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