O aniversário





O aniversário 

                O convite veio uma semana antes. No sábado seguinte, o casal celebraria seus aniversários. Ela, cinquenta anos. Ele, um pouco mais. Comemorariam meio século de histórias pessoais, obstáculos e vitórias, perdas e ganhos. Sobretudo, conquistas. Estas, muitas, pois apesar da idade, eram jovens. Tão jovens que decoraram o salão eles mesmos. Havia vasos de flores em todas as mesas com papel crepom colorido cortado em tiras enroladas. Simples, mas, divertido. Havia balões de aniversário em suportes de mais de dois metros de altura formando as iniciais de seus nomes. As letras estavam bem juntas mostrando que é assim que são e estão há muito tempo. Unidos desde quando se conheceram, se casaram, filhos vieram, cresceram. Faculdades, namorados. Enfim, um longo caminho a seguir com a ajuda de cinquenta anos de experiência que, falando francamente, ajuda muito nos dias de hoje com tantas incertezas em relação ao futuro. Tudo deveria ser celebrado.

            Comes e bebes dos mais variados tipos e elegância. Desde os mais simples salgadinhos à exótica comida japonesa, adorada por uns e detestada por outros. No teto, mais balões, azuis e rosas, em um círculo e cada um com uma fita amarrada na extremidade. Todos acreditavam ser só mais um item da bela decoração. Guardavam, na verdade, uma surpresa.

                Os convidados começaram a chegar. Parentes dele. Parentes dela. Amigos recentes e outros de longuíssima data. Parentes dos amigos também que, ao longo dos tempos, tornaram-se amigos. Os filhos também tomaram a liberdade de levar seus namorados e amigos e amigos dos namorados e amigos de amigos. Enfim, havia pessoas de todas as idades, profissões, casadas e solteiras. Diferentes na essência, porém, com o mesmo objetivo, celebrar mais um ano de vida de duas pessoas que tinham tanto para contar e outro tanto para fazer ainda. Afinal, tinham tantos planos ainda, tantos sonhos, que seriam precisos mais cinquenta anos para pôr tudo em prática. Vontade e motivação eram tantas que, certamente, viveriam mais cem anos, todos diziam. Todos invejavam sua alegria. Como era bom, por um dia, uma noite apenas, todos esquecerem seus medos e problemas triviais para simplesmente encontrar outras pessoas e relembrarem ótimos momentos que tiveram juntos em outros aniversários. E, mostrarem com largos sorrisos, “puxa, hoje estou feliz”. Mas, lá no fundo, não importava a condição social, todos perceberam que ainda faltava algo, para todos. Ninguém sabia o que era. A conclusão do pequeno espaço ainda vazio em cada um veio depois que, no escuro, todos cantaram ‘parabéns a você’, canção velha e eterna. Pronto. A festa estava completa. Ou, quase...

                Antes de comer o bolo que, por sinal, fazia todos os olhos se arregalarem, cada um deveria pegar uma fita e puxar um dos balões do teto para si. Deveriam sair do salão e, todos juntos, fazer um pedido, em silêncio, claro. Um desejo ainda não realizado, um bem material, um emprego, um grande amor. Paz. Cada um sabia de suas pretensões. Todos ficaram surpresos. Não esperavam que em uma festa de aniversário onde os aniversariantes são as estrelas, os convidados seriam os homenageados. E, em alguns segundos de silêncio, os pensamentos afloravam. Se pudessem ser ouvidos, o barulho seria infernal como em um concerto de rock, onde todos gritam ao mesmo tempo o que gostariam de ouvir. Os nomes das músicas poderiam não ser os mesmos, mas a ânsia da possibilidade delas serem tocadas fazia com que cada um, naquele momento, acreditasse que tudo era possível. Tudo podia acontecer. O céu de agosto estava estrelado e a noite estava bem fria. Todos iam soltando seus balões. Uns em silêncio. Outros, fazendo comentários, tentando descobrir os pedidos dos outros. As crianças, simplesmente vibravam com a ‘brincadeira’. No breu noturno e gelado, os balões iam, subindo e desaparecendo, levando consigo os secretos anseios, caprichos e necessidades. Levavam os apetites por uma realização de cada um dos convidados da festa. Subiam come se suplicassem aos céus que atendessem aos pedidos embutidos em cada um dos balões coloridos. Onde cairiam? Cairiam? Todos começaram a perdê-los de vista, hipnotizados. Foi um momento de sonho, um lapso da realidade que os cercava. Os balões se foram.

                O estado de torpor começou a se desfazer e começaram a voltar ao salão, comentando como a ‘brincadeira’ com os balões havia sido interessante, mas, no fundo, ninguém havia brincado. Haviam pensado que algo em suas vidas deveria mudar. Já estava na hora de considerarem alguns acertos. Mudança. Ninguém demonstrou, mas, em silêncio, agradeceram a oportunidade inesperada de repensarem a vida, mesmo que por alguns minutos apenas. O bolo foi servido. Todos reunidos novamente em descontraída conversa, sobre os mais variados assuntos. Desde o jogo de futebol da semana anterior até como alguma fulana havia emagrecido em tão pouco tempo. As crianças pulavam e gritavam lá fora apesar do frio cortante. Falavam também que deveria haver mais festas como aquela, que deveriam encontrar-se mais vezes. Coisas absolutamente triviais. Não falavam, no entanto, sobre a experiência que havia ocorrido minutos atrás. Dela, que com certeza havia tocado bem no fundo, lá dentro do coração, onde mantemos os desejos mais íntimos.

                         Fim de festa. Despedidas. Promessas de novos reencontros. Adeus.

                O dia seguinte poderia ser o despertar de novos objetivos, missões, novas esperanças. Poderia ser o tempo de concretizar o que é sempre deixado para depois, apesar da volta à rotina banal que é a vida de quase todos nós. Talvez falassem sobre a festa legal da noite passada. Certamente se perguntariam se realmente se encontrariam no próximo ano para revelar se seus desejos haviam se realizado. Aqueles que haviam sido depositados cheios de fé dentro de simples balões de festa, mas que foram direto para o céu. Balões de uma festa que era para ser uma simples comemoração, mas foi, na verdade, uma grande e inesquecível festa de aniversário.

                Isso aconteceu há muito tempo. Ainda me lembro do balão que soltei toda esperançosa. Mas, tristemente, não me recordo do que pedi. Meu desejo desapareceu com os balões.


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