Água que lava a alma
O poder da fé move montanhas ... alguém disse uma vez. E a
fé num santo - ou santa - nem se fala. Severo
ganhou uma santinha da moça da igreja que, no fundo, queria mesmo é chamar sua
atenção. Queria casar. Mas Severo só queria uma oportunidade de estar longe
daquela terra nordestina, seca e arreganhada. Nem um pingo d’água em mais de um
ano. Seus bois sucumbiam um a um. Miséria. Chorava ... mas suas lágrimas eram
só de sal. Queria partir. Deus abandonara Severo, seus bois, sua gente. Mandava
água para outros lugares.
Severo, então, levantou a santinha aos céus, e não tinha a
mínima ideia de qual santa era, e implorou, “Vai santinha .... me tira daqui
... há de me tirar ... há de me tirar ...”. No dia seguinte, vendeu os dois
últimos bois caquéticos. Conseguiu o suficiente para a passagem de ônibus. Arrumou
a parca malinha, não tinha muito. E, com o maior cuidado, enrolou a santinha
num pedaço velho de flanela. Era seu amuleto. Tinha lhe concedido um milagre. O
tiraria de lá.
Grande desafio. São Paulo, a terra das oportunidades ... e
das águas. Nada o seguraria nesse fim de mundo seco e rachado. Nem a moça da
igreja. Esta, chorou e morreu de tristeza. Lágrimas ressequidas.
São Paulo, a selva de pedra. Muita gente e caos. Mas tinha
confiança. Sobreviveria. A santinha no bolso e a fé no coração.
Sede. Água engarrafada, cara demais para um retirante
miserável. Bebedouros secos. Chafarizes há muito sem uma gota de água. Meses sem
chuva, racionamentos, banhos escassos. Severo não entendia o que estava acontecendo,
“Onde está a água de São Paulo?”. Avistou a mais linda das Catedrais, a da Sé. Resolveu
entrar e rezar um pouco. Viu que até a pia para reza estava seca, “Por quê, meu
Deus ... por quê?”.
Desolado, saiu da grande igreja e olhou para o céu. Dali,
olhando o horizonte, viu a imponência de um altíssimo edifício, um banco
estadual outrora, e viu que, lá em cima, estaria muito mais perto do céu. Tinha
outro pedido a fazer. Embrenhou-se nas ruas centrais do imenso labirinto
paulistano. Perdeu-se. Perguntou. E encontrou o imenso prédio. Duas horas de
espera depois, foi informado de que teria apenas cinco minutos de contemplação
lá no alto. Bastava .... para salvar a humanidade.
Do mirante acima do mar de cimento preto e branco e insensível,
estendeu aos céus cinzentos as mãos que embalavam sua tão querida santinha. Severo
não titubeou, “Vai santinha ... manda água .... há de vir ... há de vir ...”.
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