Um dia de cão

            O tempo fechou para o campeão naquele dia. Faltou luz e o alarme não tocou.  Atraso. Não havia tempo para o desjejum decente do dia-a-dia. Saiu correndo, mas o ônibus costumeiro já havia passado. Teve que esperar quarenta minutos pelo próximo ... lotado. Duas horas de viagem. Pendurado na porta. Chegaria muito atrasado ao trabalho.
            Era um pedreiro de arregaçar as mangas, mas, hoje, não poderia se orgulhar muito, tamanho o atraso. E, na correria, pegara a pior camisa ... descosturada. O chefe, gente amicíssima, o receberia de braços abertos e uma saraivada de xingamentos e humilhações, como se fosse acabar o mundo.
           Chegando à construção, um homem robusto, bonito até, lhe pediu um trocado. Usava roupas melhores que as dele. Pedinte, coitado. O campeão correu para o canteiro de obras. E, tudo aconteceu. O chefe furioso bradou com ele como um cão.  Ele levou um tombo. Rasgou as calças – as do mendigo eram melhores – e ralou os joelhos. Tinha tortas e fraquinhas pernas. Esqueceu-se da marmita. E, para piorar, um cabo se soltou e uma estrutura de ferro caiu. Tiveram que ficar até muito mais tarde para consertar o estrago. Estrago maior estava o estômago dele. Fome absurda e injusta. Ele só conseguia pensar que ser pobre era uma merda. Tinha que se esborrachar para levantar um prédio onde jamais moraria. Prédio de bacana.
            Por fim, dispensados. Iria, finalmente, para sua casa – longa viagem de volta – faminto e machucado e fedido e humilhado. Mas, esperançoso ... teria sua recompensa.
            Depois de um dia de cão, chegou à casa, banhou-se e jantou. Saciada a fome, finalmente. O campeão teria, no final das contas, sua tão merecida subida ao pódio, ao lado da amantíssima patroa. Ela olha fixamente para os olhos de tigrão do campeão e lhe dá o troféu, “nem vem que hoje não tem !!!!!”

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